Tema 3. Autonomia da escola e proposta pedagógica

José Mário Pires Azanha: intérprete da escola pública e mestre da educação brasileira

Carlota Boto



José Mário Pires Azanha, para seus leitores, foi um teórico da educação cuja obra já é, entre nós, precocemente clássica. Para os gestores das políticas públicas, foi um administrador e notável conhecedor da realidade da escola pública brasileira. Para seus amigos, uma pessoa inesquecível. Para seus alunos, foi um mestre. Desde jovem, revelou-se intelectual. Abraçou a ética da convicção e a causa da escola pública como sua agenda de vida. Nunca teve medo de polêmicas e esteve no palco de muitas controvérsias, políticas e teóricas. Seu primeiro livro, fruto de sua tese de doutorado em 1972 - Experimentação educacional: uma contribuição para sua análise (São Paulo, EDART, 1974) - trazia hipótese ousada sobre o significado da qualidade de ensino e das escolas experimentais em um país como o Brasil daqueles anos de ditadura.

Suas reflexões sobre os significados das idéias de democratização e de qualidade do ensino bem como seus trabalhos sobre autonomia da escola marcaram o debate educacional no Brasil dos anos 80. Seus estudos sobre o cotidiano escolar e especialmente sua tese de livre-docência, Uma idéia de pesquisa educacional (publicada em livro pela EDUSP em 1992) obtiveram ressonância e desdobramentos teórico-metodológicos em inúmeros trabalhos de gerações posteriores.

Azanha postula o estudo da vida cotidiana da escola como opção analítica e ferramenta de método para se apreender práticas, modos de ser e rituais escolares. Considera ser necessário conferir atenção aos pequenos gestos e prosaicos episódios ocorridos no dia-a-dia das instituições, sem os quais não poderemos compreendê-las. Ressalta, porém, que isso não significa um mero registro de trivialidades, posto que deva ser conferido significado a esse cotidiano. Há pressuposições que dirigem a observação e que deverão dirigir, com argúcia analítica, a interpretação dos fatos. No entanto, a pressuposição não poderá trair a realidade. Se a realidade não combinar com o pressuposto teórico, não se pode mudar a realidade. É muito delicada a fronteira que delimita pressupostos e observação empírica na pesquisa educacional. Para Azanha, a vida cotidiana não se reduz ao local ou ao individual. O estudo do cotidiano precisará voltar-se para a compreensão do uso comum, daquilo que poderá ser generalizado – no limite, do que pode ser compreendido pela acepção de ‘universal’.

Azanha compreende a autonomia da escola como um requisito político. Para ele, a vida nas escolas – queiramos ou não – extrapola as instâncias de regulamentação institucional. Não há nenhuma dimensão legal ou normativa capaz de cercar todos os aspectos que percorrem o dia-a-dia das escolas. Nesse sentido, torna-se fundamental reconhecer o ambiente escolar como lugar de convívio cuja especificidade é o propósito de educar. Uma escola autônoma não corresponde tampouco àquela em que professores e alunos aprendem todos juntos, construindo o conhecimento. Azanha recusa a perspectiva segundo a qual cada indivíduo, ao aprender, reproduzirá em sua mente a marcha histórica do desenvolvimento científico. Tal premissa – que, segundo ele, não se sustenta – contém em si um deslocamento do critério lógico para conferir primazia a uma miragem de pedagogia psicológica.

A escola constitui instância de transmissão de um acervo cultural que envolve o domínio das letras, parâmetros de moralidade e regras de conduta. Azanha não é dos pedagogos que acreditam que a boa escola é invariavelmente aquela que recusa o legado desse acervo cultural em nome da inovação como princípio abstrato. Para ele, a inovação somente poderá ser produzida como fruto do julgamento crítico.
A partir da apreensão de um dado repertório, a crítica criativa permite que o sujeito se oponha aos postulados desse mesmo repertório, criando outra pauta de interpretação. Todavia, não haverá qualquer inovação sem prévio domínio do acervo precedente.

Azanha acredita que a boa escola é aquela que, levando à radicalidade seu potencial de autonomia, elabora sólido projeto pedagógico, envolvendo os protagonistas da vida escolar. Note-se, porém, que para Azanha autonomia não corresponde a qualquer coletivismo político-partidário no território da educação. Por outro lado, a relação pedagógica entre alguém que ensina e alguém que aprende também não é suficiente para caracterizar uma escola de qualidade. O trabalho escolar requererá mais do que isso.

Existe um integrado sistema na escolarização que supõe convivência, diálogo e partilha de atuação entre atores que ocupam lugares variados na vida institucional. A relação dos professores entre si, nas afinidades e nos conflitos que estabelecem uns com os outros; dos alunos com os professores; dos alunos entre si; dos professores com a direção da escola; dos alunos com o diretor e com os funcionários da instituição; o papel dos pais; o Conselho de Escola… enfim, um conjunto enorme de variáveis possibilita uma gama de interações extremamente dinâmica e criativa. Por essa mesma razão, a elaboração da proposta e do projeto pedagógico de cada escola constitui ato estratégico mediante o qual se torna possível estabelecer negociações, acordos e coordenadas de ação capazes de planejar, estruturar, organizar e conferir diretrizes às práticas curriculares em seus diferentes níveis. De todo modo, a despeito da necessidade do traçado do projeto pedagógico, ele, por si só, não será suficiente para interpretar a realidade do cotidiano institucional. O que se passa na escola compõe o registro de sua própria cultura.

Há uma disposição na escola que possibilita a organização de experiência e de rituais que instituem o que Azanha nomeou de ‘cultura escolar’. Cultura escolar será, pois, uma conjugação entre conhecimento teórico e o conhecimento adquirido nas práticas da escola: o saber escolar.

Azanha é pioneiro quando publica na Revista USP Dossiê Educação o artigo "Cultura escolar brasileira: um programa de pesquisas” (dez./jan./fev.1990-91. nº8. p.65-69). Ali ele demonstrava que ‘cultura escolar’ – como categoria de análise – seria uma possível ferramenta operatória para a compreensão dos usos e dos costumes da escola. O estudo da cultura escolar requer a reconstituição de modos de ser e de dinâmicas do agir quando, por exemplo, os professores ensinam uns aos outros; quando o professor sistematiza no caderno seu plano de aula; quando o aluno registra no diário a lição a ser feita para o dia seguinte; quando o professor envia o aluno à diretoria para ‘conversar com o diretor’. Azanha tinha a plena convicção de que existe um campo de saber escolar não-codificado pelos padrões clássicos do conhecimento científico.

A base da ação docente é sedimentada no território da ação pedagógica e possui apenas imperceptíveis afinidades com teorias educacionais. O saber ensinar da memória dos professores inscreve-se nas práticas de suas ações rotineiras. Faz sentido, portanto, averiguar os movimentos da classe: as travessuras das crianças, as repartições das matérias em horários e em espaços específicos, a distribuição dos alunos pelas salas, entre as carteiras, as lições por meios das quais o professor expõe suas aulas, os exercícios realizados para fixar a aprendizagem dos alunos, os silêncios das primeiras provas, o bulício das horas do recreio, a disputa da bola pelos meninos… O rito configura uma forma de cultura própria, produzida nas escolas e autenticamente escolar. Compreender esse movimento será o grande desafio dos estudiosos da pedagogia. Azanha faz um convite para que os teóricos da educação entrem na escola para decifrar o seu texto. Estudar a cultura escolar é - hoje como há vinte anos, quando ele alertava para isso – o grande desafio intelectual dos educadores brasileiros. A contribuição teórica de José Mário Pires Azanha como intérprete da escola aliada a sua prática como professor, como gestor e como integrante do Conselho Estadual da Educação fazem dele expoente e eterno mestre dos educadores brasileiros.




Tópicos* Proposta pedagógica da escola
* Diretrizes Curriculares Nacionais e a autonomia da escola.
* Cooperação e assistência técnica não-colonialista.


I - Textos introdutórios ao estudo do tema
(documentos: 3):
A autonomia da escola (clique)
Artigo do jornal
Educação Democrática, São Paulo, n. 3, p. 12, set. 1983.




Melhoria do ensino e autonomia da escola (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 19-30.

Publicado originalmente em Tecendo a rede do amanhã. São Paulo: Secretaria Estadual da Educação, 1988. p. 36-45.


Autonomia da escola, um reexame (clique)
Artigo do periódico
Cadernos de História & Filosofia da Educação, v. I, n. 1, p. 37-45, 1993.




II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 10)
Proposta pedagógica e autonomia da escola (clique)
Artigo do periódico
Cadernos de História e Filosofia da Educação, v. II, n. 4, p. 11-21, 1998.

Objetivos da educação nacional e currículos para o ensino de 1°, 2° e 3° graus (clique)
Artigo do periódico
Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 285-288, jul./dez. 1988.

Texto apresentado para debates na XXIV Reunião Conjunta do Conselho Federal de Educação com os Conselhos Estaduais de Educação das Regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. Lindoia, SP, 17 a 19 de Agosto de 1988.
Também publicado em AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 31-35.


Parâmetros curriculares nacionais e autonomia da escola (clique)
Artigo do periódico
International Studies on Law and Education, n. 3, p. 23-32, 2001.

Também publicado em AZANHA, J. M. P. A formação do professor e outros escritos. São Paulo: Ed. Senac, 2006. p. 105-123.


Considerações sobre o Regimento Comum das Escolas Municipais de São Paulo (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 117-130.

Parecer aprovado em reunião do Conselho Estadual de Educação - CEE de 18/12/1991.


Obstáculos institucionais à democratização do ensino em São Paulo (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: alguns escritos. São Paulo: Ed. Nacional, 1987. p. 133-142.

Documento enviado à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo atendendo a convite para depor no âmbito do inquérito sobre Educação em São Paulo, promovido por esse órgão, em setembro de 1983. Depoimento de Azanha logo após a sua exoneração da SEE-SP.

Também publicado na Revista da Faculdade de Educação, v. 10, n. 1, p. 138-145, jan./jun. 1984.


Documento preliminar para reorientação das atividades da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (clique)
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Documento preliminar para reorientação das atividades da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. São Paulo, 1983. 17 p. Datilografado. (Documento de Trabalho, 1).

Inicialmente publicado pela Secretaria da Educação em circular e distribuído à rede de escolas sem o nome do autor. Posteriormente, em nova publicação, o jornal Educação Democrática (n. 3) apresenta o nome de José Mário Pires Azanha como autor.

Também publicado em AZANHA, J. M. P. Educação: alguns escritos. São Paulo: Ed. Nacional, 1987. p. 118-131.


Uma ideia sobre a municipalização do ensino (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 105-115.

Publicado originalmente na revista Estudos Avançados, v. 5, n. 12, p. 61-68, maio/ago. 1991. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v5n12/v5n12a05.pdf. Acesso em: 19 out. 2011.


Indicação CEE n. 12/2001 (clique)
Artigo de periódico
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Indicação CEE n. 12/2001. Significado de experimentação educacional. Relator: José Mário Pires Azanha. Acta, n. 313, p. 8-15, out./dez. 2001.




Indicação n. 21/1997 e Deliberação n. 23/1997 (clique)
Artigos de periódico
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Indicação CEE n. 21/1997. Escolas experimentais. Relator: Francisco José Carbonari. Acta, n. 297, p. 32-35, out./dez. 1997.

SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Deliberação CEE n. 23/1997. Dispõe sobre escolas autorizadas como experiência pedagógica, com fundamento no artigo 104 da Lei 4.024/61 e no artigo 64 da Lei 5.692/71. Acta, n. 297, p. 32, out./dez. 1997.




Parecer n. 44/1969 (clique)
Artigo de periódico
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Parecer n. 44/1969. Planos de organização administrativa e pedagógica do Instituto de Educação Experimental de Jundiaí. Relatora: Amélia Americano D. de Castro. Declarações de voto: José Mário Pires Azanha, Alpínolo Lopes Casali e Erasmo de Freitas Nuzzi. Acta, v. VI, n. 16, p. 124-137, 1970.




II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 10)
III- Atos legais e relatórios administrativos
(documentos: 13)
Parecer n. 1911/91 (clique)
Artigo de periódico
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Parecer n. 1911/91. Regimento Comum das Escolas Municipais de São Paulo. Relator: José Mário Pires Azanha. Acta, n. 265, p. 25-31, out./dez. 1991.




Indicações n. 09/1997 e 13/1997 e Deliberação n. 10/1997 (clique)
Artigos de periódico
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Indicação CEE n. 13/97. Diretrizes para elaboração de regimento das escolas no estado de São Paulo. Relator: Arthur Fonseca Filho. Acta, n. 296, p. 64-66, jul./set. 1997.

SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Indicação CEE n. 09/97. Diretrizes para elaboração de regimento das escolas no estado de São Paulo. Relatores: Arthur Fonseca Filho e Pedro Salomão José Kassab. Acta, n. 296, p. 42-52, jul./set. 1997.

SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Deliberação CEE n. 10/97. Fixa normas para elaboração do regimento dos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio. Acta, n. 296, p. 42, jul./set. 1997.




Indicação n. 11/1997 (clique)
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Indicação CEE n. 11/1997. São Paulo, 1997. Mimeografado.

Também publicado em Acta, n. 296, p. 60-61, jul/set. 1997.


Projeto Pedagógico: autonomia e cidadania. AZANHA, J.M.P. VÍDEO - PARTE 1. (clique)
Palestra realizada em evento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 28/10/1997, durante a gestão do Prof. Dr. Ayres da Cunha Marques. Vídeo.




Projeto Pedagógico: autonomia e cidadania. AZANHA, J.M.P. VÍDEO - PARTE 2. (clique)
Vídeo de palestra realizada em evento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 28/10/1997, durante a gestão do Prof. Dr. Ayres da Cunha Marques.




Projeto Pedagógico: autonomia e cidadania. AZANHA, J.M.P. VÍDEO - PARTE 3. (clique)
Vídeo de palestra realizada em evento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 28/10/1997, durante a gestão do Prof. Dr. Ayres da Cunha Marques.




Projeto Pedagógico: autonomia e cidadania. AZANHA, J.M.P. VÍDEO - PARTE 4. (clique)
Vídeo de palestra realizada em evento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 28/10/1997, durante a gestão do Prof. Dr. Ayres da Cunha Marques.




Projeto Pedagógico: autonomia e cidadania. AZANHA, J.M.P. VÍDEO - PARTE 5. (clique)
Vídeo de palestra realizada em evento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 28/10/1997, durante a gestão do Prof. Dr. Ayres da Cunha Marques.




A autonomia da universidade e a criação do fundo de valorização. VÍDEO - PARTE 1/5. (clique)
Mmesa redonda organizada pela Comissão de Cultura e Extensão da FEUSP, com a presença dos Professores José Mário Pires Azanha, Lisete Regina Gomes Arelaro e o Deputado Ivan Valente
Duas análises sobre esta emenda constitucional. O Prof. Ivan Valente critica a alteração da lei por avaliá-la um retrocesso com relação à Constituição de 1988. Faz uma análise global do sistema de ensino brasileiro em seus vários níveis e em suas diversidades regionais e observa que ocorrerá a socialização da miséria em educação. Já o Prof. José Mário P. Azanha ressalta a questão da autonomia universitária sob a óptica do jogo de interesses envolvidos, tendo em vista que os mesmos são extremamente distintos entre as universidades públicas e privadas, requerendo portanto, regulamentação própria.




A autonomia da universidade e a criação do fundo de valorização. VÍDEO - PARTE 2/5. (clique)
Mesa redonda organizada pela Comissão de Cultura e Extensão da FEUSP.




A autonomia da universidade e a criação do fundo de valorização. VÍDEO - PARTE 3/5. (clique)
Mesa redonda organizada pela Comissão de Cultura e Extensão da FEUSP.




A autonomia da universidade e a criação do fundo de valorização. VÍDEO - PARTE 4/5. (clique)
Mmesa redonda organizada pela Comissão de Cultura e Extensão da FEUSP.




A autonomia da universidade e a criação do fundo de valorização. VÍDEO - PARTE 5/5. (clique)
Mesa redonda organizada pela Comissão de Cultura e Extensão da FEUSP.







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