Tema 6. Assistência e cooperação para o desenvolvimento do ensino



Maria Victoria de Mesquita Benevides



Alguns anos atrás, ao discursar em homenagem ao Dr. Carlos Pasquale na Academia Paulista de Educação, o Prof. José Mário fez questão de esclarecer que, tendo sido escolhido para saudá-lo, sentia-se "o verdadeiro homenageado, pela honra de falar de tão notável figura de homem e educador".

Faço minhas as suas palavras de então, querido professor. Sinto-me homenageada por ter o privilégio de saudá-lo neste dia.

Emérito, no sentido de sábio e insigne, José Mário Pires Azanha já o era, em 1985, quando ingressei nesta casa. Durante algum tempo fiquei arredia, contra minha natureza expansiva, pois vinha temerosa da fama do mestre rigoroso e de sua impenitente ironia, além da sabida implicância com a Sociologia, a "prima pobre e meio coitadinha" da Filosofia, do Direito e da História. Felizmente perdi pouco tempo com esse afastamento pueril — logo descobri o prazer da convivência com uma inteligência iluminada e um coração generoso, um senso de humor burilado na fina leitura de Eça de Queiroz, uma erudição discreta e disponível, dos pensadores clássicos aos contemporâneos, de Platão a Wittgenstein, de Comênio a Dewey, de Padre Vieira a Sergio Buarque de Holanda. Descobri, encantada, que sua impaciência com a Sociologia — muitas vezes argutas provocações a nós, sociólogos — revela também um profundo conhecimento de nossos maiores autores, Durkheim, Comte, Marx, Weber.

Somos gratos a José Mário pela divulgação do pensamento do professor, ensaista e publicista francês Alain entre nós — registro seu belo prefácio na tradução brasileira da obra Propos — assim como lhe devemos uma discussão inovadora sobre Hannah Arent e a democracia vinculada aos temas educacionais. Lembro, também, suas instigantes leituras em Antropologia, que transparecem em escritos de argumentação filosófica e de metodologia científica, como na interpretação do famoso texto de Geertz sobre a briga de galos em Bali.

Creio que uma das melhores contribuições intelectuais do Professor à Faculdade de Educação tem sido a exigência da leitura das grandes obras literárias, do Brasil e do exterior, dos clássicos aos contemporâneos. De seus alunos não costuma perguntar só o que estão estudando, mas o que estão lendo. Quer saber o que estão lendo apenas pela busca do conhecimento, mas também por puro deleite, emoção, alimento do espírito, "humanização". Humanização no sentido da tese de nosso mestre comum, Antonio Cândido, que, ao discutir os problemas do ensino insiste em reivindicar que os estudos literários – e o prazer da leitura – voltem à Escola Pública, no espaço privilegiado que sempre tiveram.

Retorno a Alain, com quem José Mário tem vários pontos de identidade intelectual. O professor Alain, enragé republicano da éducation nationale, considerava mais importante saber se o aluno era capaz de ler a Revolução Francesa nas palpitantes páginas de Michelet – com agrado, como um espectador de teatro, como um bom músico lê música – do que decorar os eventos nos compêndios acadêmicos. Tenho certeza que José Mário pensa assim.

Em poucos anos de conversas descompromissadas com o Professor, muito aprendi sobre História e Filosofia da Educação, sobre políticas educacionais e outros temas candentes nas Ciências Humanas. E quando falo em coração generoso e erudição notável, refiro-me também a essa sua constante disponibilidade para nos ajudar a pensar, a indicar uma bibliografia, a desmontar e remontar um argumento. É, nesse sentido, um verdadeiro professor à moda antiga, aquele que "ensina a aprender", que estimula a inteligência, que provoca a dúvida. Como diria Alain, "tudo o que se inventa sobre a Educação será miserável por falta de se ter refletido sobre a dificuldade de pensar".

No campo específico da Educação, José Mário tem sido, é claro, um grande professor, mas também um autêntico homem público. É bem conhe¬cida sua participação em órgãos do Ensino Público, desde seu ingresso no magistério aos 18 anos. Ainda cito Antonio Cândido, quando disse, certa vez, referindo-se a Fernando de Azevedo, que há grandes intelectuais e grandes homens públicos e que seu mestre era ambos. Podemos dizer o mesmo de José Mário. Basta lembrar, por exemplo, sua corajosa e lúcida atuação durante a administração Ulhoa Cintra na Secretaria de Educação em São Paulo. Minha admiração pelas reformas democráticas então defendidas pelo Professor Azanha reflete, no plano individual, o justíssimo reconhecimento de todos aqueles que trabalham pela democratização do ensino em nosso país.

Tenho, também, a maior admiração pelo intelectual que não se refugia na tal "torre de marfim". Um espírito de refinada erudição como José Mário, e que "se encarna" concretamente na Administração e nas políticas públicas – ali, no trabalho árduo e cotidiano e muitas vezes desgastante, maçante, mal compreendido – revela em mais alto grau a virtude cívica, o comprometimento real com o bem comum e, neste exemplo, com a causa maior da Educação para todos. É o que dizia Max Weber sobre a "política como vocação": – é preciso ter aquela qualidade do marceneiro que trabalha com madeira para realizar obras belas e úteis, mas é preciso paciência e paixão.

Na Faculdade de Educação gostaria de destacar, além de sua presença constante na Escola de Aplicação, a gestão do Professor na presidência da Comissão de Pós-Graduação e na Chefia do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação, em época de transformações, reformas normativas, regimentais e curriculares, criação de novos cursos, ampliação da Pós-Graduação etc. No plano pessoal, devo ao Professor o apoio para a introdução da disciplina Educação e Cultura Brasileira, que teve a entusiasmada recepção dos alunos na graduação e na pós-graduação. Sua proposta de criação da área de pesquisa em "Cultura Escolar" abriu caminho para vários docentes dos três Departamentos, que desenvolveram pesquisas e estabeleceram intercâmbio com o exterior, sobretudo França e Portugal.

De sua presença na Congregação, escolho um exemplo: é dele a pro¬posta de vincular o voto da Congregação aos resultados das consultas à comunidade para eleição dos diretores, medida de evidente comprometimento democrático.

No âmbito mais amplo da Universidade de São Paulo, merece igualmente destaque a atuação do Professor como o primeiro Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Democracia, Direitos Humanos e Tolerância. Em sua gestão, José Mário apoiou iniciativas relevantes que até hoje prosperam, na docência, na pesquisa e, sobretudo, no trabalho permanente de formação em Direitos Humanos nas escolas públicas. Tenho o grande prazer de continuar atuando neste projeto, junto com o Professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, também do nosso departamento e aqui presente nesta homenagem. Foi durante a gestão do Professor Azanha na Cátedra UNESCO que nosso companheiro de mesa, Professor Fábio Konder Comparato, iniciou sua obra "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos" - hoje em sua 3a edição – referência obrigatória sobre o tema e marco importante dos trabalhos da Cátedra.

Muito mais poderia ser dito e não se esgotariam as referências que amplamente justificam o título de Emérito ao Professor José Mário Pires Azanha.

Gostaria de dizer, finalmente, que sempre entendi a afinidade política entre José Mário e Leonel Brizola, um nome que já se tornou uma "instituição" na história brasileira em defesa do nacionalismo e da Educação Pública. Acima de tudo, José Mário é um homem que escolheu um lado na vida, e nele permanece com dignidade e coerência. O lado daqueles que não aceitam a mera retórica democrática, mas querem a construção da democracia para todos, e não como privilégio para alguns.

É nesse lado que José Mário tem defendido, como o fizeram grandes educadores do porte de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, a democratização da Educação como uma causa nacional. Isso é ser nacionalista sem patriotada ou pieguice. Isso é amar o Brasil e sentir-se autenticamente integrado no povo brasileiro – como um intelectual comprometido com a justiça social, com aqueles ideais imorredouros da liberdade, da igualdade, da solidariedade.

Obrigada Professor.

Querido Professor!


Transcrição da fala de Maria Victoria de Mesquita Benevides na cerimônia de entrega do título de Professor Emérito ao Professor Doutor José Mário Pires Azanha, realizada em 27 de novembro de 2002.

Texto publicado em Cadernos de História e Filosofia da Educação, v. V, n. 7, p. 11-29, 2002.





Tópicos* A importância do uma cooperação ou assistência não-colonialista.

* A orientação pedagógica da Secretaria da Educação e órgãos regionais e locais da administração do ensino: necessidade da busca de novos caminhos para uma assessoria e orientação pedagógica sem ingerência.

* Propostas político-educacionais de assistência e cooperação: a ação federal para o desenvolvimento dos Sistemas Estaduais de Ensino e o “Programa de Assistência Técnica à Educação” (PATE).

* A Feusp e a busca de novos caminhos de assessoria e cooperação técnica para a melhoria do ensino:
- Os convênios e acordos entre a Universidade e a Secretaria de Educação para a elaboração do projeto pedagógico da escola
- Proposta Cátedra UNESCO/USP–FE e os projetos decorrentes: a parceria NAE 10 e o Projeto Direitos Humanos na Escola - Núcleo de Ação
- A prática de ensino e o estágio supervisionado

* As novas propostas de assistência técnica das décadas de 90 a 2000:
- Novas tendências centralizadoras do MEC e do Conselho Federal/Nacional de Educação, a partir da Lei 9394/96 (pareceres e legislação normativa com relação ao ensino de 1°, 2° e 3° graus)


I - Textos introdutórios ao estudo do tema
(documentos: 6):
Universidade e escola de 1° grau: a idéia de integração (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 37-48.

Publicado originalmente em Encontros e confrontos. Brasília: Ministério da Educação, 1988. p. 101-111.


O ensino superior e sua articulação com os ensinos fundamental e médio (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 49-54.

Texto apresentado em Reunião Plenária do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, em 14 de dezembro de 1988.
Também publicado na Revista da Faculdade de Educação, v. 15, n. 2, p. 266-270, jul./dez. 1989.


Melhoria do ensino e autonomia da escola (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 19-30.

Publicado originalmente em Tecendo a rede do amanhã. São Paulo: Secretaria Estadual da Educação, 1988. p. 36-45.


Proposta pedagógica e autonomia da escola (clique)
Capítulo do livro
O que muda na educação brasileira com a nova Lei de Diretrizes e Bases? São Paulo: Fiesp, Sesi/SP, Senai/SP, 1997. p. 32-48.

Texto original de palestra em evento promovido por Fiesp, Sesi/SP e Senai/SP.
Também publicado em:
Cadernos de História e Filosofia da Educação, v. II, n. 4, p. 11-21, 1998.
AZANHA, J. M. P. A formação do professor e outros escritos. São Paulo: Ed. Senac, 2006. p. 87-104.


Obstáculos institucionais à democratização do ensino em São Paulo (clique)
Artigo do periódico
Revista da Faculdade de Educação, v. 10, n. 1, p. 138-145, jan./jun. 1984.

Documento enviado à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo atendendo a convite para depor no âmbito do inquérito sobre Educação em São Paulo, promovido por esse órgão, em setembro de 1983. Depoimento de Azanha logo após a sua exoneração da SEE-SP.

Também publicado no livro AZANHA, J. M. P. Educação: alguns escritos. São Paulo: Editora Nacional, 1987. p. 133-142.


Diretrizes e recomendações para a formulação do projeto pedagógico dos CIACS (clique)
Capítulo do livro
AZANHA, J. M. P. Educação: temas polêmicos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 87-104.

Texto preparado por solicitação do ministro da Educação José Goldemberg, em 1991, com o objetivo de estabelecer diretrizes para o "projeto" dos Centros Integrados de Assistência à Criança - CIACS. Aprovado pela portaria n° 2134, em 13 de dezembro de 1991.


II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 7)
Prefácio e Introdução. Silva, A. M. (clique)
do livro '' Educação : Terra de Ninguém , publicado inicialmente como tese de doutoramento junto à Sorbonne- Université de Paris, com o nome '' l'Assistence Técnique à l'Education au Brésil '', é um dos raros documentos que informam sobre o PATE , uma proposta de Assistência e cooperação técnica , sem ingerência , para o desenvolvimento dos Sistemas Estaduais de Educação, coordenado pelo professor Azanha e desenvolvido pelo INEP, junto ao extinto Centro Regional de Pesquisas Educacionais prof . Queiroz Filho ,de São Paulo .
In Educação: Terra de Ninguém. Silva, A.M. (p. 7 a 27). São Paulo: Ed. Loyola, 1983.

A assistência técnica à educação no Brasil: um problema epistemológico ou um problema prático?/Arlete Marques Silva (clique)
Capítulo do livro
SILVA, A. M. Educação: terra de ninguém. São Paulo: Ed. Loyola, 1983. p. 7-27.

Inclui prefácio, apresentação (por Selma Garrido Pimenta) e introdução do livro.


A assistência técnica e financeira ao desenvolvimento dos sistemas estaduais de ensino/Arlete Marques Silva (clique)
A exigência de uma política de valorização do magistério (p. 168-177)
Inclui também conclusão do livro (p. 178-183)
Capítulos do livro
SILVA, A. M. Educação: terra de ninguém. São Paulo: Ed. Loyola, 1983. p. 83-183.




A exigência de uma política de valorização do magistério (clique)
Capítulo do livro
SILVA, A. M. Educação: terra de ninguém. São Paulo: Ed. Loyola, 1983. p. 168-177.




Introdução/José Sérgio Carvalho e Clarisse Seixas (clique)
Capítulo do livro
CARVALHO, J. S. (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. São Paulo: Ed. Vozes, 2004. p. 11-15.





A parceria NAE 10 e Projeto Direitos Humanos na Escola/Núcleo de Ação Educativa 10 (clique)
Capítulo do livro
CARVALHO, J. S. (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. São Paulo: Ed. Vozes, 2004. p. 352-357.

II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 7)
III- Atos legais e relatórios administrativos
(documentos: 1)




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