Tema 10. Linhas de investigação a partir do pensamento de Azanha

Sobre a influência de José Mario Pires Azanha nas pesquisas educacionais

Maria Cecilia Cortez Christiano de Souza



Mas afinal de contas, o que é o método científico? Fiz essa pergunta ao professor José Mário Pires Azanha. Era o ano de 1970 e o curso, Introdução à Pesquisa Educacional. O professor me deixou desconcertada ao responder que o método científico não existia. Naquele tempo, método científico, criatividade e espírito crítico eram senhas que abriam as portas da pedagogia mais avançada. A ciência é essencialmente crítica, observou o professor, e não há formas preestabelecidas para a crítica. No entanto, para exercê-la, é necessário dominar o conhecimento existente. Não existe crítica no vazio. Há imaginação na ciência e não há receitas para a criação científica, continuava. E advertia: a ciência avança também graças a seus erros; as idéias inovadoras ocorrem no espírito de investigadores que giram muito tempo em torno de um problema. Como professor, José Mário considerava a questão da pesquisa educacional como tratava seus alunos: com a mais alta, clara e aguda inteligência.

A propósito da perda de seu cargo, consequência de sua histórica atuação na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, José Mário guardava silêncio. Sobre política dizia que, diante de recursos escassos, deveria ser uma exigência da pesquisa educacional delinear uma pergunta realmente importante, teórica ou politicamente, e de procurar sua resposta com o máximo rigor.

Educação pode ser uma ciência? O caminho seguido por um cientista para fazer suas descobertas devia ser modelo para descrever a aprendizagem do aluno? A didática era a ciência do método? Qual a diferença entre ciência e tecnologia educacional? Qual o papel da pesquisa científica na educação? Existe a experimentação pedagógica?

De 1957 a 1967 José Mário trabalhara no Centro Regional de Pesquisas Educacionais Prof. Queiroz Filho, onde várias dessas questões foram levantadas. A crença no poder da ciência como capaz de resolver os problemas da educação brasileira era arraigada e a autoridade científica configurava-se como único consenso possível em território minado por contradições.

Um dia, logo no início das aulas, no saguão do andar térreo, cercado por um grupo de alunos, o professor José Mário soube que Anísio Teixeira havia morrido. Jovens, ainda não podíamos entender o significado daquela perda, e por que o professor, sempre tão reservado, demonstrou tristeza devastadora. As dependências e os equipamentos do Centro Regional de Pesquisa Educacional haviam sido abandonados pelo Ministério da Educação e jaziam, em meio a ratazanas, ao lado da recém-fundada Faculdade de Educação.

O mergulho de José Mário na pesquisa sobre educação brasileira não deixava de ser, de certo modo, um tributo a Anísio Teixeira, pois tratando de um tema caro a Anísio, colocava em primeiro plano o alcance, a coragem e a beleza do espírito científico. Naqueles tempos de medo, José Mário teimava em fazer do ensino arte iluminista, ato de transparência, fato democrático.

Nos seus ensinamentos, José Mário recuperava as raízes do caráter eminentemente questionador da ciência - a maneira peculiar de convencimento, a seu ver a finalidade dos dados empíricos, a ideia de que o saber científico era hipotético e sempre provisório. Mostrava que nenhuma lei histórica garantia o progresso da ciência, ao contrário, a liberdade de pensamento era uma flor delicada. Afirmava, profeticamente, que a fé cega nos resultados da ciência, tanto quanto o poder absoluto, tem o efeito de corromper o raciocínio e paralisar a razão.

José Mário recomendava o exercício de um ceticismo saudável, pois o abuso de conceitos técnicos havia criado armadilhas difíceis de desarmar na educação. Sempre contrário a linguagens cifradas e a petições de princípio, deslindava pacientemente a lógica interna das pesquisas, analisava conceitos, até trazer à luz o que havia nelas de validade ou de mitificação.

A pesquisa científica não podia ser uma aventura solitária, ponderava. Por essa razão, dizia que era contraproducente a fragmentação da pesquisa resultante da Reforma Universitária de 1969. Segundo ele, as investigações corriam o risco de serem conduzidas pela vontade de um pós-graduando de acompanhar a moda ou pelo desejo de um orientador de conseguir financiamento, ao invés de perseguir um problema educacional realmente necessitado de reflexão e de estudo.

A iniciativa de Anísio Teixeira, com a criação dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais, fora tornar a matéria educacional questão de Estado pela importância estratégica e, ao mesmo tempo, de vinculá-la à Universidade para garantir autonomia e distância necessárias. A educação pública demandava projetos de monta, empreendimentos de longo prazo para que questões pacientemente delineadas por uma geração,cuja tentativa de resolvê-las exigira sacrifícios de outra, não fossem deixadas sem solução. Hoje, as agências e fundações passaram ter o papel antes exercido pelos CRPEs, pela CAPES e pelas universidades públicas e o Estado passou a comprar o que antes produzia por si mesmo.

A pesquisa em educação não devia recuar diante de grandes números, argumentava o Professor, se o problema educacional visado assim o exigisse. Mas nem por isso a tarefa crítica podia ser deixada de lado. Nos seus cursos, penetrava na lógica interna das estatísticas nas ciências humanas, mostrando a que necessidade determinadas fórmulas ou testes estatísticos respondiam. Fazia compreensíveis os passos necessários para a constituição de uma amostra, a maneira de tornar o exame de casos representativos do seu universo, o papel e o uso da noção de probabilidade e de indução na ciência.

Mostrava, principalmente, que pesquisas quantitativas ou qualitativas só são interessantes se baseadas em teorias que direcionem a escolha de procedimentos e a proposição de hipóteses. Uma correlação positiva entre duas variáveis não é suficiente para comprovar causalidade, dizia. E concluía: divulgar resultados sumários era propaganda ideológica pura, nunca ciência.

Não acreditava que o pensamento crítico pudesse ser ensinado; o que mais um curso podia fazer, dizia, era bem instruir. Tinha horror aos modismos e se dizia professor tradicional. Mas o que fazia era transformar a pesquisa em aventura apaixonante e em conversa interminável. Muitos anos após sua morte, ainda me surpreendo, na imaginação, conversando com ele.




Tópicos


I - Textos introdutórios ao estudo do tema
(documentos: 1):
Os anos 90: uma nova perspectiva para os estudos e pesquisas na Faculdade de Educação/Cynthia Pereira de Souza (clique)
Artigo do periódico
Cadernos de História & Filosofia da Educacão, v. IV, n. 6, p. 137-146, 2001.




(Leia todos os documentos propostos no tema "Pesquisa Educacional e compromisso da Universidade com a melhoria do ensino": 0)

II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 3)
José Mário Pires Azanha/José Sérgio Fonseca Carvalho (clique)
Livro
CARVALHO, José Sérgio Fonseca. José Mário Pires Azanha. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010. (Coleção Educadores MEC).


Apresentação/Denice Barbara Catani (clique)
Saber teórico - saber escolar: perspectiva de pesquisa no campo da história cultural/Marta Chagas de Carvalho (p. 37-44)
Linguagem, cultura e cognição/Maria Thereza Fraga Rocco (p. 52-55)
Capítulos do livro
CATANI, D. B. (Org.). A pesquisa em educação e o intercâmbio cultural. São Paulo: FEUSP, 1991. (Estudos e Documentos, 30).

II - Documentos propostos para estudo
(documentos: 3)


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